A atividade lúdica

Rudolf Steiner

  1. Nossa sociedade compreende bem os prejuízos do castigo corporal para o organismo físico e as conseqüências morais que dele derivam.

  2. Porém, nesta época, introduziu-se na educação infantil um terrível flagelo de ordem anímico-espiritual: a "linda" boneca (a boneca realista).

  3. Tudo o que se apresenta na aparência da "linda boneca" é profundamente antipático à criança. Brinquedos realistas, que supostamente imitam a vida, são anti-artísticos e constituem um flagelo interior para a criança.

  4. Uma boneca confeccionada com um pedaço de pano carrega tudo o que a criança pode compreender e também amar. Nela existem, de forma primitiva, as características da figura humana na extensão em que a criança pode observá-las em sua idade. Tudo o que a criança realmente vivencia está contido na boneca feita de pano, com um par de manchas de tinta nos olhos.

  5. Tudo o que vem do meio ambiente se transporta para a criança em um processo formativo interior e também na formação dos órgãos.

  6. A criança tem a seu dispor uma força plástica interior maravilhosa e trabalha continuamente em seu íntimo como uma escultora.

  7. A criança observa esse pedaço de pano transformado em boneca e isto se torna força plasmadora humana, força verdadeira que, a partir do sistema rítmico, intervém no sistema neuro-sensorial.

  8. Tudo o que a criança ainda não pode compreender açoita o cérebro. Brinquedos realistas fazem com que as forças plásticas que partem da respiração e do sistema sangüíneo atuem como chicotadas no sistema cerebral.

  9. A criança não imagina vida dentro da mesa, ela se comporta da mesma forma diante do vivo e do não-vivo. Ela age como que por reflexo.

  10. Não se trata de imaginar vida dentro da mesa, e sim de extrair vida dos seres realmente vivos.

  11. Já que nossa sociedade não compreende o que se passa dentro da criança, trata-se de se comportar amorosamente diante dela, de apenas orientar carinhosamente aquilo que ela mesma quer, de conviver com a criança e moldar a boneca que ela própria vivencia interiormente.

  12. Diante da criança, o adulto não deve se colocar no nível infantil. Ele deve se comportar verdadeiramente, agir com sinceridade, ter ações diretamente advindas do seu ser.

  13. A criança imita naturalmente, ao brincar, o que ocorre a seu redor. Porém, ela imita atividades práticas, em que se consegue ver tudo o que a atividade aparenta, atividades visíveis, que produzem uma impressão pictórica imediata. Atividades intelectualizadas não produzem impressão alguma, não são pictóricas e, portanto, passam despercebidas à criança. Na brincadeira, só devemos introduzir o que não é despercebido para a criança. Logo, não devemos introduzir nada que seja predominantemente intelectual. Para orientar corretamente, como adultos, a brincadeira infantil é necessário fazer atividades práticas. Em toda atividade manual, há uma orientação clara para o objetivo, no qual está implícito o elemento intelectual. Tudo o que na vida implique meta está permeado de intelectualismo.

  14. É possível exprimir o elemento plástico de um trabalho braçal numa pintura, por exemplo. Se em vez de nos preocuparmos com o objetivo do brinquedo, nós buscássemos captar o elemento plástico do brinquedo então iríamos realmente ao encontro da criança.

  15. Trata-se, portanto, de observar esse elemento estético no trabalho, aplicando-o na confecção de brinquedos. Podemos, por exemplo, dar um arado a uma criança, mas o importante é que possamos imbuí-lo do caráter plástico e estético do ato de arar.

  16. A criança é um ser imitativo, mas só quem ainda não está intelectualizado pode exercer a imitação. No jardim-de- infância, não devemos introduzir trabalhos mentalmente elaborados. Só devemos cultivar a imagem daquilo que os adultos também fazem.

  17. Até os 5 anos de idade: deve-se excluir toda atividade intelectual. Intelectualizar a criança é impregná-la de materialismo.

  18. Devemos deixar que a criança permaneça o mais longamente possível em sua vivência sonhadora: o mais demoradamente na imaginação, na atividade pictórica, na ausência de intelectualidade. Se fortalecermos seu organismo no aspecto não-intelectual, ela crescerá de maneira correta para o intelectualismo necessário na atual civilização.

  19. Se açoitarmos o cérebro da criança com intelectualização e materialismo, prejudicaremos sua alma para toda a vida. Deveríamos eliminar os castigos físicos, anímicos e espirituais, levando o brinquedo ao nível correto.

  20. Deve-se evitar o falso aspecto espiritual para que o espiritual autêntico, ou seja, o ser humano integral, possa se manifestar em idade posterior.

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